As Meninas Castanhas

É Outono.
O Outono é a minha estação do ano mais querida e favorita de todas.
Porque no Outono em Portugal, especialmente em Lisboa e Montemor, é possível usar na vida real uma T-shirt, jeans e um perfecto.
Porque é.
E também gosto muito do Outono porque é a altura do ano em que não me dá nenhum tipo de vergonha ser branca lívida transparente.

Estou intrigada.
E as minhas observações têm feito com que isto me pareça, cada vez mais, um fenómeno com tendência a alastrar.
Não gosto.

Sempre vi e soube e convivi com pessoas cujas noções de naturalidade são muito remotas.
Embora muito enraizadas no que vem sendo o Portugal profundo, desconhecem o natural.
Sempre observei muita senhora com muita base e pó compacto, com blush castanho, batom castanho e contorno de lábios também castanho... E com cabelos recheados de madeixas pálidas contra fundos castanhos.
Estas Senhoras e Senhores devotos dos castanhos são aqueles que noutro tempo - no dos seus antepassados - abominavam as pessoas castanhas...
Sendo que os castanhos eram aqueles que trabalhavam no campo e não tinham outro remédio senão queimar a pele... porquê fazê-lo, séculos depois, de propósito!?
Castranha a forma como se inverteram os papéis, não?
Tudo isto conjugado com roupas castanhas e calçados castanhos...

Desenvolvi uma fobia ao castanho.

De tal maneira que só há menos de duas estações é que Lhe dei uma oportunidade.
Todas as cambiantes do castanho, mais os verdes secos e os grenás, foram pela minha paleta pessoal eliminados quando tinha uns onze anos.
Porque...
Eu sou branca transparente e lívida (permitam-me inverter, de forma arbitrária, a ordem dos factores), reactiva ao Sol e aos seus poderosos raios, pelo que nunca percebi o castanho ou o desejo de se estar castanho.
Eu só empolava...

Mas o castanho é todo um novo Universo que se está a abrir.

E As Meninas Castanhas habitam esse Universo.
São o centro d'Ele.

A compra da primeira base: um fluido matificante (bem mate, muito muito mate, como se de maquilhagem dos anos cinquenta estivéssemos a falar) que uniformize aquela pele bem problemática das adolescentes.
Qualquer coisa que dê bom aspecto e suporte um dia inteiro no liceu, a aula de ginástica e ainda os amassos com o rapaz pretendido.
Um melhor amigo que esconda aquelas borbulhas nojentas que começam a aparecer em sincronia com o período e denunciam o desconhecimento de um qualquer dermato ou gineco logista.
Um escudo protector.
(Há já alguns estudos de mercado e sociológicos que apontam a base como O produto de beleza do século XXI, em oposição ao batom, o produto rei do século passado. A evolução tecnológica da composição das bases é apresentada como o factor primordial para este cambio, como consequência da amenização do look da mulher moderna - natural e pronta para tudo. Esta mulher moderna é confiante e não tem tempo para trazer um espelho e um batom de cor atrás, pelo que aplica a base em casa e está pronta para todo o dia. Pronta de uma forma moderna, e protegida. A base é apontada como o produto de beleza que maior confiança traz às mulheres que assumem posições de liderança ou cargos mais exigentes. A base como elemento fantástico e útil, como produto de confiança, cuja relação de intimidade com a consumidora é tão estreita que nada se intromete nesta dicotomia. A base como produto que só pode ser adquirido por apenas um indivíduo - a própria. A base como o escudo protector que se leva de casa.)
A BASE!!!
Mas...
Quando essa base é comprada com a mesada, num supermercado ou num grande armazém, o resultado são mais problemas para a pele e muitos problemas para o campo da estética.
Caberia às Mães destas Meninas amenizar a coisa...
Mas uma vez que As Meninas Castanhas são filhas de Senhoras Castanhas... mal a volta.

As Meninas Castanhas usam uma base dez tons acima do seu tom natural.
Aplicam a base com as mãos e fazem como se estivessem a por uma caraça.
O baby hair fica sujo de base castanha e entre a linha do maxilar e o resto do corpo é o Grand Canyon.
As Meninas Castanhas são apenas o fruto de um descuido muito grande, de uma adolescência em que os pilares fundadores do gosto foram eliminados do mapa.
Já tinha percebido que em Portugal as mulheres não coram em cor de rosa ou vermelhinhos ou carmim... coram em castanho.
O pó compacto e o terra sun são os melhores amigos das mulheres portuguesas, e as filhas das mulheres portuguesas também optam por estes tons.

Há-de ser muito chato regressar às aulas sem aquele bronzeado bem à la Carolina Patrocínio, apenas com aquela cor já amarelada e com algumas manchas provocadas pela pele que caíu, entristecida por tanta exposição solar.
Mas... usar pinturas faciais, quais pinturas de guerra, para sair à rua é que não!
Parece-me um pouco exagerado, em Novembro, encher a cara de tinta café com leite e assumir aquilo com naturalidade.
(Não deixa de ser audacioso...)
É que o pior mesmo de tudo isto é quando As Meninas Castanhas partilham a maquilhagem na casa de banho da escola...
Não vou sequer explicar, porque é sabido o resultado...

Concluindo:
As Meninas Castanhas são um grande enigma.

1. Será que os rapazes apreciam esses tons?
2. Será que a homogeneidade de um castanho total na cara Lhes parece apropriado?
3. Será que essa homogeneidade Lhes oferece essa tal confiança?
4. Ninguém Lhes é capaz de explicar que aquilo é tudo um equívoco e que só faz pior quer ao seu aspecto, quer às suas peles?
5. Em que momento é que ter uma caraça é bom?
6. A cobertura total é muito perigosa e desidrata imenso a pele.
7. Onde é que andam as maquilhadoras e as conselheiras de imagem nestas alturas?


Se branco é design, o que é o castanho?