E . A . C . P . O . Q . V . (estou a cagar-me para o que visto)

Gostava de me debruçar sobre um assunto que muito ocupa o meu pensamento quando penso em estilo e em roupa e no seu impacto social.
Digamos que hoje estou um bocado mais inclinada para o que vem sendo a sociologia da moda, em detrimento dos outros dias, mas derivado ao facto de me sentir vagamente insultada/irritada com alguns comentários anónimos que se vão deixando aqui e ali.

Eu sei muito bem o que significa cada peça de roupa.
E sei muito bem em que contextos significa o quê e o porquê das suas utilizações.
Não me perguntem como, mas acho que cheguei a este estado através da prática, porque tudo na vida requer prática, e este exercício é daqueles que se faz na intimidade do nosso cérebro.
Desde que os hemisférios comuniquem, a prática está garantida.
Experimentem.

Dou Graças à Eva por ter comido a maçã.
Sem ela este blogue não existiria, porque nunca teria sequer existido uma peça de roupa.

Gosto muito da desonestidade da maioria das pessoas no que se refere ao que vestem.
Gosto.
Gosto de ouvir que vestiram a primeira coisa que encontraram, que não se preocupam, que só querem é estar confortáveis, que comprar roupa é uma futilidade, que quem se preocupa com isso é fútil, que o estilo não interessa nada, e demais balelas em que não acredito.
Não me construí em redor da roupa, mas sim, ela faz parte de mim e é uma parte importante da definição daquilo que somos no espectro social.
E sempre tive bom aspecto e efabulei à volta da roupa.
Comecei a vestir-me sozinha com quatro anos e nunca achei que estivesse feia.
Gosto genuinamente de como me visto.

Mas adoro as pessoas que dizem que não ligam nenhuma a isso.
É uma das muitas formas de manifestar negação.

Gostava aqui de pensar sozinha e partilhar convosco, nas pessoas que admirámos ou admiramos e no que é a primeira imagem dessas pessoas.
Da alta à baixa cultura, todos tinham estilo.
Ninguém faz de um maltrapilho um ícone, lamento.
E vice-versa.
Dos ídolos indies aos ídolos pop, todos têm estilo.
Ou alguém me vai dizer que o Sartre se estava a cagar para o que vestia?
E quem diz o Sartre diz o Gainsbourg, e quem diz o Gainsbourg, diz o Kurt Vonnegut, e quem diz o Kurt Vonnegut diz o Woody Allen, e quem diz o Woody Allen diz o Alain Badiou, e quem diz o Alain Badiou diz o Picasso, e quem diz o Picasso diz o Debord, e por aí adiante.
Custa-me a crer que todos os que reclamam a dignidade das suas propriedades intelectuais não reconheçam que a inteligência transborda naturalmente para o vestir: é a extensão da afirmação da individualidade intelectual junto do próximo.
É quase uma regra de três simples, mas com cores e formas e padrões e costuras e alguns acessórios.
Todas as pessoas realmente inteligentes que conheço têm um estilo próprio e definido, do qual não abdicam em prole da moda, mas que mantêm com o maior orgulho, porque essa é a sua identidade.

Mas já lá vamos.

Gostava ainda de me focar nesta questão tão pertinente que vem a ser a do estilo no que toca à vestimenta.
É muito duro ser julgada por aquilo que visto e não pelo conteúdo, mas só partindo desta premissa é que posso empreender.
Alguém alguma vez achou que a verbalização da ideia da não preocupação com a aparência não passa de uma afirmação para o exterior e não de uma preocupação verdadeiramente interna e da persona?
Porque - e permitam-me achar que estou a desenvolver ideias da forma condicionada que costumo criticar - segundo todos os que tenho de ouvir demasiadas vezes, a afirmação de determinadas ideias em público não passa de uma tentativa de provar qualquer coisa a terceiros.
É uma frustração minha.
E em último caso, é uma necessidade de afirmação que deve ser analisada.
Entra sempre aqui o Freud e mais recentemente o Lacan, porque é bem.
E se essa verbalização é tomada como um acto desesperado, se é tomada como uma vontade social, expliquem-me, pessoas que passarei a descrever, só a palavra é que conta no acto de afirmar?
Eu achava que o termo afirmação era mais lato...
E que se manifestava de variadíssimas formas.
E que - imaginem! - uma dessas formas, na sociedade em que vivemos, era a roupa.
(Que fora!...)

As pessoas que passarei a descrever copiam e desculpam o estilo dos seus ídolos porque já tiveram a oportunidade de receber uma espécie de prova pública qualquer que lhes assegurou a imunidade intelectual (dos seus ídolos).

Peguemos no caso de um senhor que foi uma das maiores fábricas de êxitos de que há memória: o Serge. O Serge foi quem começou a usar sapatos de ballet brancos com atacadores, no final dos anos cinquenta, por exemplo. E arranjou para se adornar a Senhora Dona Bardot, mais a Senhora Dona Birkin e por fim a Menina Bambou. (Todas elas mulheres nojentas e feias e mal feitas e mal vestidas e mal tudo. EEEEHHHHH!)
Mas como o gajo fez discos brutais e é um dos fundadores do que foi a chanson française, está desculpado.
Estamos, com o Serge, perante um caso claríssimo de vaidade.
Mas como o Serge é do Universo Pop, passemos ao próximo exemplo.
Para não deixar ninguém de fora, vejamos o caso do mui nobre e sublime Slavoj Zizék.
Nem me vou adentrar no assunto (e por favor, achem que estou a dar o flanco), só vou dizer: a mulher dele é feia?
Mas desculpam-se estas pessoas todas porque sim, porque elas são muito inteligentes e muito maravilhosas e usam conjuntos de palavras menos comuns quando escrevem textos e depois provocam a sensação de que estamos perante um objecto inatingível, pelo que se assiste ao desarmamento das críticas vindas dos que vou descrever já já já.
É só triste.

Não conheço ninguém inteligente e realmente interessante, que viva no seu tempo e que consiga ter um espectro de conversação amplo que se vista mal ou que tenha a veleidade de dizer que não se preocupa com isso.
Lamento, mas não conheço.
Devo ter sorte.
Ou então o meu zelo pela imagem afasta-me dos desinteressantes.
Se assim for, muito obrigada gosto, sempre te tratei bem, e por isso tens vontade de ficar!

Passo a descrever os que me afligem:

Essas pessoas usam maioritariamente três cores e os seus sucedâneos, e são elas o verde-seco, o castanho e o grená.
Roçam ligeiramente o preto.

Não compram marcas caras (primeira estocada na ideologia: as marcas baratas pertencem aos porcos capitalistas e são as que exploram os pobrezinhos no terceiro mundo e nos barcos fábrica), optam sempre pelo conforto e pelos tecidos baratos (estocada número dois: os tecidos baratos são maioritariamente sintéticos e coloridos com pigmentos, também eles, sintéticos, muito poluentes, com baixíssimas concentrações de material orgânico, pelo que a roupa adquire a mesma agressividade que uma garrafa de plástico no ecoponto azul), e compram roupa na Humana (estocada número três: a Humana recebe roupa gratuitamente que depois revende a um preço baixo, mas ainda assim, encapotada pela imagem do mundo querido e da ajuda, é uma empresa muito ao estilo das outras dos outros porcos capitalistas, mas não se preocupem, os trabalhadores da Luis Vuitton e da Humana recebem igualmente mal).

Fazem muita questão de ter um aspecto descuidado e de ter cabelos e dentes e unhas assim menos apresentáveis, compram produtos de higiene pessoal baratos porque os caros são para os ricos e para os que gostam mesmo das aparências (estocada número quatro: a concentração de químicos nesses produtos baratos é tão ou mais poluente do que fazer descargas de uma papeleira num riacho qualquer... os mais caros têm potencialmente menos terror em cada embalagem, já para não falar dos biológicos...).

Lavam a roupa toda junta e com detergente também barato, porque como é para lavar a roupa... (estocada número quatro ponto um: esses detergentes poluem muitíssimo, fazem dos pigmentos sintéticos autênticas armas de destruição maciça para o ambiente e também causam, claro está, o péssimo aspecto do que vestem).

Podia continuar até esgotar os caracteres, mas acho que já perceberam onde quero chegar, sem recorrer ao exercício estilístico gratuito.

E o destino desta entrada é muito simples: a inteligência.
Só a inteligência proporciona estilo.
E o estilo não é futilidade, é projecção.
E é interior.
Parece tudo muito contraditório, mas faz sentido, é só deixar que os hemisférios comuniquem.

Por isso, amigos e amigas, quando abrem a boca e dizem coisas dessas, só posso mesmo é rir, e passar à frente, porque...
Não acredito nisso de ninguém se preocupar.
É quase fisiológico.
Se o Senhor Darwin continuar certo, somos apenas a evolução da espécie.
As espécies do reino animal também se engalanam e adornam por diversos motivos.
Porque é que haveríamos de ser diferentes?
Ah... Porque como espécie evoluída já ultrapassámos isso?

É isso...

A única diferença no mundo do Homo Sapiens (e de alguns Cro-Magnons) é que é às fêmeas que está votada a fama da vaidade (Obrigada, Eva, mais uma vez...!)...
E a minha única desvantagem é que sou isso mesmo... FÊMEA.

A misoginia é uma coisa tramada.