SER SINISTRO

Queridos Adolescentes, Queridos Ex-Adolescentes,
Este post é-vos inteiramente dedicado.

O dia 30 de Maio é muito preenchido na minha agenda, ou não se celebrassem os aniversários de alguns dos meus mais queridos seres humanos.
No dia 30 de Maio, vou para onde estiverem esses seres.
Este ano estavam em Montemor.
E lá fui eu.
Depois de um jantar bem preenchido, regado e tudo o resto, rumámos a casa.
E, como jovem que tem uma casa que mais parece uma "casa de gajo" (já ouvi este comentário vezes sem conta...), passo agora os dias a olhar avidamente para tudo quanto é móvel, cadeira, cómoda...
Sempre a pensar que aquilo ficaria bem ali num sítio qualquer.
Depois penso sempre que está tudo cheio de merdas lá dentro (especialmente os camiseiros com gavetas intermináveis cheios de interminável adolescência...) e que para resgatar os ditos cujos, seria necessário dar uma volta naquele lixo... NOT.

Porém, às portas do 31 de Maio, abri todas as gavetas de um dos camiseiros.
Não me lembrava de ter tanta caixinha inútil, cheia de objectos de tamanhos inclassificáveis, igualmente inúteis.
Não me lembrava...
É que, depois de tanto mudar de casa, de país, de região, aprendi a eliminar com muita eficácia, e vivo uma vida depurada (menos no campo dos sapatos).
E também não me lembrava de fotografias desses anos negros que são os anos em que somos ADOLESCENTES.

OK, podem parar de ler agora, se quiserem, porque isto vai começar a ficar sinistro.

Toda a gente exibe no Facebook uma ou duas fotografias de quando era criança.
Mesmo as crianças mais feias (eu era uma dessas crianças) não são tão feias que não se possam mostrar (mais uma vez, tomo-me como exemplo).
Agora... Já alguma vez alguém viu publicada uma fotografia de um adolescente, da qual o já não adolescente em questão se orgulhe?
Acho que não existe tal coisa.
Nem é um mito.
Pura e simplesmente, não existe.

Encontrei fotografias minhas de adolescente e ia morrendo.
Existe muito pouco material pictórico da minha pessoa, mas... o que existe, é melhor que permaneça afastado dos alvos raios de sol que banham a superfície terrestre...
E falo com seriedade.

A adolescência é uma fase rizomática - prenhe de todo o perigo possível - e é importante deixar que o adolescente não cometa erros dos quais pode vir a arrepender-se seriamente, com especial enfoque nos campos da tatuagem e do piercing, bem como no campo do abandono escolar.
Porque... numa fase da vida em que tudo pode ser tudo... É O perigo.
Bem sei que gostamos de manter o campo das opções em aberto, mas... não me parece que mantê-lo escancarado seja a opção correcta...

O adolescente enquanto coisa que se pode dar (estou na botânica) em qualquer lado, é um perigo...
Vi com os meus próprios olhos o perigo que corri...

Especialmente num álbum de fotografias referente a um mês de internato num colégio em Inglaterra, aquando dos meus 12 anos... MEU DEUS... Longe da vista, longe do coração... E ainda bem que a minha Mãe não me chegou a ver assim composta... Não sei o que terá sido pior... se o colar justo ao pescoço, se o vestido com T-shirt por baixo, se o rapaz que todas achávamos giro (BLHAC!!! NOT!!!)...

Vi também as fotografias da primeira vez que fui a Paredes de Coura (sim, fotografo, ainda hoje, as mesmas paisagens, o mesmo verde, os mesmos vales...).
Laivos de adolescência frique.
MUITO MEDO.
Nesse ano quis fazer uma espécie de double bill com o consentimento do meu Pai e não o da minha Mãe.
Tocava The (International) Noise Conspiracy num festival chamado Carviçais Rock, e eu ia.
Seguiria de Carviçais para Coura (sem que ainda houvesse Google Maps...) com a barriga cheia de Suécia.
Estava, no entanto, de mala aviada para seguir, quando li que T(I)NC não vinha.
Fiquei destroçada e encurtei a viagem...
Fui apenas frique em Coura.
Brincos de fimo... Vi brincos de fimo nas fotografias...

Consegui ver - embora os meus olhos gritassem já clemência - um álbum de fotografias do que terão sido os melhores anos da vida adolescente, quando convivia com duas amigas dia e noite, e ao fim de semana íamos para as quintas umas das outras... Calças largas.
Roupa demasiado colorida.
Acessórios em crochet (que eu própria fabricava... um talento que me valeu sempre bons rendimentos, este de ter aprendido lavores femininos numa idade muito tenra)...
Meias às riscas...
Ganchinhos...
Uns amigos de Évora que também achávamos giros... (NOT)...
TUDO MAL.
E o primeiro concerto de Incubus.
(Mas esse gajo continua a ser giro...)
O início desse álbum ao qual chamaremos d'Os Melhores Dias, continha retratos das primeiras peças de roupa que costurei e vendi.
Sempre fui uma jovem muito judia, embora tenha apenas o nariz.

Depois deu-se a grande viragem: chegou o dia em que o Brasonado (que agora é blogger idónio, mas de quem tenho fotografias comprometedoras...) proibiu a namorada de falar comigo. (Sim, experimentavam-se níveis de misoginia na Escola Secundária de Montemor tão altos como os de radiação nuclear de Chernobyl ou Fukushima).
E eu fiquei sozinha nos intervalos da Escola Secundária.
Foi vagamente epifânico e reflectiu-se na forma de vestir...
Depurei o estilo.
Abandonados já que estavam os colares e os acessórios de crochet, dei o Grito do Ipiranga quando pedi à minha Mãe que, com as minhas poupanças (e atenção, identificamos aqui um padrão) me trouxesse uns óculos de sol como os da Sophia Loren.
Discordou imenso, mas trouxe-mos.
Fiquei sem poupanças nem dinheiro para as sanduiches de empada (existem) no intervalo grande, mas podia ficar a apanhar sol em grande estilo, enquanto ouvia Refused no meu leitor de cds portátil e esperava pelo dia em que iria conhecer o Dennis e viver fora daquele recinto escolar povoado por betos, friques, campónios e umas lagartas verdes que, pelo menos uma vez por ano lectivo, atiravam a escola toda para o centro de saúde com febres e comichões dignas de almanaque.

Yep, isto passou-se tudo nos anos 90 e no confuso princípio dos anos zero.
E não é nada cool porque não povoei esta história de dispositivos analógicos, máquinas fotográficas antigas nem nada que se pareça, porque não havia...
Ser adolescente nos anos 90 foi essencialmente piroso e transitório.
Rizomático-perigoso.
Foi muito merdoso do ponto de vista estético.
E também no que diz respeito à tecnologia e à coolidão.
Entre 1995 e 2003, fui adolescente num sítio onde se pode ser tudo menos adolescente.
E embora olhe para trás e me observe como sendo uma jovem criatura absolutamente sinistra, orgulho-me de ter crescido e de ter abandonado um estilo que só é praticável quando se é mais acéfalo que o normal.

Hoje é o Dia da Cirança.
E... O que dizer?!
Já todos fomos óptimos...!!!

Para o que poderia ter sido, até nem me saí muito mal...