PERSONAL BRANDING - LIÇÃO NÚMERO UM - I CAN BRAG ABOUT IT!

Caríssimas, Caríssimos.

Hoje gostava de vos falar de comida.
Porque embora considere que comer é overrated, tenho uma lição para vos dar.

Não sei se sabem, mas tudo na minha biografia é consequente e subsequente.
É como se a minha vida fosse um círculo em que várias actividades se congregam e intercruzam de forma diabólica.
Levada da breca, mesmo.

Falar de comida tem sempre acoplado o facto de possuir um restaurante mais do que bom, naquela que é a região mais quente e seca do nosso Portugal continental.
O Alentejo.
Estou a falar-vos, muito concretamente, do Monte Alentejano, em Montemor-O-Novo.

Para todos os que dizem que gostam de comer e experimentar coisas novas e novos restaurantes e fazem quilómetros infindáveis por uma refeição que depois turns out to be um lixo, eis o meu conselho: façam apenas cem quilómetros e comam decentemente.

Sei muito bem porque é que fazem esses quilómetros todos, meus Queridos.

É por causa do branding.
Nada como uma boa imagem para disfarçar o que de pior se tem!
Eu própria caio nessa esparrela muitas vezes.
Um exemplo: adorei a Chloë Sevigny durante anos e depois descobri, porque a ouvi falar em público sem grandes preparativos, que afinal ela não era assim tão cool... E que era tão americana foleira como as outras todas... Só que... Lá está... É o branding.

O branding fez com que o Jamie Oliver tenha posto os homens na cozinha e a Nigella tenha feito das donas de casa uma cena fixe.
O branding fez com que, de um modo geral, qualquer pessoa com acesso à internet e a um supermercado afirme que adora comer, adora cozinhar e que tudo o que envolva tachos é uma paixão.

Passo a explicar-vos TUDO:

As pessoas gostam imenso de coisas típicas, de coisas originais e modernas, de coisas tradicionais, de design e de bacocadas semelhantes.
Só vão onde os guias lhes dizem para ir e confiam nas opiniões de quem não conhecem de nenhum lugar.
Acho tudo isso óptimo, e acho que assim devem continuar para bem das minorias.
Fico é triste quando até as minorias que tenho em consideração não conseguem entender que é no desbravar mato que reside A CENA.

O Monte Alentejano é um sítio de design.
Só que é de design vintage (o meu preferido).
Porque o Monte Alentejano é um restaurante que foi desenhado para tal.
Foi desenhado pelo jovem (tinha 17 anos quando desenhou e planeou todo o edifício) discípulo de um reputadíssimo arquitecto de Évora (Raúl David) nos idos anos cinquenta.
O jovem arquitecto não só desenhou o edifício como perdeu imenso tempo a pensar no restaurante do mesmo.
Desenhou azulejos únicos (todos os que virem por aí, são imitações) com motivos tradicionais, desenhou as cadeiras do restaurante, a lareira (que não deita fumo para fora) e tantos outros pormenores que, aos dias de hoje, seriam impensáveis.
Quantos jovens talentosos de dezassete anos há hoje a desenhar restaurantes e hotéis e coisada dessa?!
ZERO.
Por isso, sim.
No que toca a design, levamos um ponto.

Os Guias.
Aaaaaahhhhhhh!!!
Gosto imenso de guias!
De guias em que me dizem onde ir comer e beber e o que fazer.
Devo confessar que, uma em cada vinte recomendações de guias, corresponde a uma escolha acertada.
É muito habitual gostar de experimentar restaurantes, mas parece-me sempre que já conheço todos os que me interessam e é raro não pensar que adorava que o Monte Alentejano fosse em Lisboa e não em Montemor.
Porque...
Para comer bem, é no Monte Alentejano ou em dois ou três outros sítios.
(Às vezes o Monte Alentejano fica fora de mão...)
Estão a ver essa pirosada da salada biológica e dos pratos com nomes pretenciosos, dos empregados que têm a mania de te snobar por não conheceres um vinho ou por te estares a cagar para o provar, para o decanter ou para o que o vinho tem de respirar?
Estás a ver as entradas de dez euros e a cozinha de fusão e o caralho mais velho (Mãe, Pai, desculpem, este post é necessário assim)?

Vou contar-vos outra história:

Quando os meus Pais decidiram ficar com o Monte Alentejano, em 1998, tentaram perceber a região em que o dito cujo se inseria.
A minha Mãe é Mais do que Alentejana e uma Excelente Cozinheira, e o meu Pai é só O Gajo Mais Exigente do Mundo.
Que dupla!
Ambos têm profissões paralelas, que exercem, e o tempo livre consomem-no ali mesmo, no número oito da Avenida Gago Coutinho, de Montemor-O-Novo.

A região de Montemor é o paraíso dos produtores de carne.
Especialmente dos produtores de gado bovino e ovino.
Quantas pessoas se podem orgulhar de comer bifes de vacas criadas em regime de pasto inteiramente natural?
E de comer o borrego certo?
No Monte Alentejano, sítio onde aprendi quase tudo o que sei, isso é possível.
Porque antes de haver gente a achar que era super fixe comer cenas biológicas (vão informar-se sobre o que é que é necessário para um produtor poder classificar os seus produtos como biológicos, por favor, e depois percebam que na maioria dos casos estão a ser engrupidos), no Monte Alentejano já só se consumiam produtos biológicos, comprados directamente aos produtores da região, os quais só matam ou colhem de acordo com o que se encomenda, pelo que sempre estivémos livres de excedentes ou produtos cediços.
Quantos restaurantes frequentam vocês em que se consumam produtos biológicos desde 1998?!
Ok, mais um ponto para o Monte Alentejano.

Sabem quando temos imensa vontade de comer bem, mas não temos dinheiro?!

(Artistas, esta é para vocês.)

A descentralização cultural levou até Montemor o Artistedo todo, pelo menos, uma vez na sua vida de residentes de uma Plataforma Artística.
Os Artistas, tal como sabemos, são sempre pessoas especiais, com necessidades especiais.
Especialmente no que toca à alimentação.
Os Artistas são geralmente qualquer coisa.
Vegetarianos, vegans, macrobióticos, celíacos... não interessa.
Os Artistas, são.
E aquando das residências no Espaço do Tempo, do Rui Horta, os Artistas aparecem famintos às portas do meu Palácio de Cristal (sim, porque para os meus colegas Artistas, eu sou uma Porca Capitalista).
No meu Palácio de Cristal, está a minha Mãe, que é a Rainha dos Precários.
É a Rainha Santa Isabel da cena das artes performativas e das plásticas também.
No Monte Alentejano nunca foi impossível fazer fosse o que fosse.
Porque a minha Mãe está sempre lá com TODA a sua disponibilidade e atenção e belíssima disposição.
(RIMEI!)
Quando aparece um artista com cinco euros e fome, a minha Mãe dá-lhe de comer por esses cinco euros.
Ou por sete euros e meio.
Uma refeição completa.
Sem carne ou com carne, sem peixe ou com peixe, vegetariana, vegan... o que for.
A minha Mãe faz.
E ensina os nossos empregados a fazer e a serem e estarem disponíveis.
No Monte Alentejano há sempre boa onda e um sorriso e comida muito boa à disposição de todos.
E, como prova de toda a sua solidariedade para com a classe, porque há uma da classe muito próxima, os meus Pais são ultra bacanos com os Artistas pobrezinhos.
Interessam-se pelos seus projectos, discutem ideias, conversam...
(Envergonham-me, às vezes...)
E no final da refeição, é possível levar o que sobrou, levar a garrafa do vinho ou provar apenas uma sobremesa.
Acho que não conheço um Artista que tenha passado por Montemor que não me diga que está apaixonado pela minha Mãe e pelo Monte Alentejano.
Nem um!
E, por exemplo, este ano, quer no aniversário do meu Pai, quer no da minha Mãe, os artistas que foram lá jantar, jantaram connosco e comeram e beberam connosco e paparam o bolo de aniversário conceptual que fiz para a minha Mãe e assistiram à entrega do presente conceptual que dei ao meu Pai.
No Monte Alentejano não temos vergonha nenhuma de ser uma família do mais italiana que há: pirosa, gritona, histriónica, bipolar, afável, carinhosa e excessiva.
Há espaço para tudo.
E não somos intrusivos para quem não deseja partilhar da nossa cena.

Eu cresci no Monte Alentejano.
E, graças a Deus, já perdi o péssimo hábito de me sentar à mesa de qualquer sítio e criticar.
Tento ir e comer.
Só.
É que... estou muito mal habituada.
Porque sei fazer tudo.

Sabem aquelas ementas com mil e duzentos pratos, mais uma ementa de vinhos elaborada por Sabe-Deus-Quem, provida de comentários segregacionistas relativamente às castas?!
Ora bem, a ementa do Monte Alentejano é simples.
Comida Tradicional Alentejana pura e dura.
Sem invenções.
Nada vem em camas ou tem chutneys ou sorbets ou confits ou coisas com nomes franceses que a maioria dos empregados não sabe pronunciar.
É tudo simples e tradicional.
Porque...
A comida Alentejana é o que é e não pode ser mais porque... ja foi inventada há muitos muitos séculos.
Passo a explicar, através de analogias muito simples:
O Alentejo é uma das regiões mais pobres do Velho Continente.
Ainda hoje o é.
O Alentejo produz cereal.
No Alentejo há pão.
O pão é a base da alimentação de um Alentejano.
No Alentejo há ervas daninhas.
Os Alentejanos fervem água com sal e ervas e fazem Açorda.
De coentros, de poejos, de hortelã da ribeira...
Os Alentejanos amolecem pão duro em água e fazem Migas.
No Alentejo criam-se porcos.
As Migas fazem-se com Manteiga de Cor (pesquisem).
No Alentejo há borregos.
Ferve-se água com ossos, cortam-se bocados de pão duro, e faz-se Ensopado de Borrego.

Und So Weite.

Estão a ver a cozinha molecular, o Arzak, o Adrià, mais o Jaimie Oliver e essa gente toda?
Menes...
Os gajos não inventaram nada.
Já andamos há mil e tal anos a ferver ervas e a isolar sabores.
E estão a ver o Chef Ramsay?
Os meus Pais são pessoas de gritar e exigentes, mas ninguém grita assim com nenhum cozinheiro...
Porque... Se estiveres a gritar com ele, o mais provável é que a comida seja uma merda pegada.
Sem amor, não há papa boa.

A Doçaria Alentejana é outra coisa imperdível.
Esqueçam o "Sericá" (espumo muito da boca quando oiço pessoas a dizer "Sericá") e as trouxas de ovos do Continente, mais os Pães de Ló do Pingo Doce.
Alguma vez comeram um Doce Conventual a sério?!
É uma experiência sensorial completamente nova.
Sericaia: demora doze horas a fazer o preparado; não há forma de acelerar o processo. É muito fácil saber se se está a comer uma Sericaia verdadeira ou não. No Monte Alentejano posso garantir que não só é verdadeira como as Ameixas D'Elvas são MESMO de Elvas.
Encharcada: acertar com os pontos de açúcar é o truque. Vão lá comer uma e falem-me depois da vossa overdose de gemas.
Mel e Noz: Dá um trabalhão a fazer. Mas é top. É feito com mel de rosmaninho dali da terra e já ganhou vários prémios.
Pão De Rala: A jóia da coroa. Demora mais uns quantos milénios a fazer e dá muito trabalho. É um doce complexo e de confecção muito cara. Faço-o sozinha desde os onze anos. E é tão bom!...
Mousse de Chocolate: estão a ver a mousse do Pap'Açorda? É igual ou melhor. É verdadeira.

Não sei... A sério... Não sei...
É muito difícil...
Porque...
O Monte Alentejano é um sítio onde se come MESMO bem.
Onde as crianças podem brincar e saltar e pular enquanto os pais almoçam ou jantam.

O que é que posso dizer-vos mais?
Frutos Secos de Cação?
Açorda de Pescada com Amêijoas?
Gaspacho?
Sopa de Tomate em Pingo de Toucinho com Figos?
Migas de Espargos com Carne do Alguidar?
Ensopado de Borrego?
Ganso de Novilho?

Eu cresci, como já disse, no Monte Alentejano, e quando digo que sou a Paris Hilton de Montemor, I mean it.
Passei todos os meus Verões, férias, fins de semana e finais de tarde pós escolares, entre 1998 e 2009, no Monte Alentejano.
Passei lá muito mais tempo do que em minha casa.
A servir à mesa, a organizar os quartos, a lavandaria, as encomendas, a regatear preços, a organizar facturas, a falar mil línguas e a conhecer pessoas que me fizeram ser aquilo que estou a ser neste momento.

Foi no Monte Alentejano que começou a minha história de amor com o Teatro Praga.
Foi no Monte Alentejano onde vi a maior concentração de rapazes giros aquando de um jantar de um mega campeonato de Wakeboard, em 1999 (também foi nesse dia que aprendi que ser geek é uma coisa fixe, porque me levou a conversar com todos os rapazes ali presentes, em deterimento das minhas empregadas, as quais não falavam inglês como eu...).
Foi no Monte Alentejano que decidi que queria aprender a falar alemão, porque era uma língua que não falava e havia imensos turistas alemães com quem poderia praticar.
Foi no Monte Alentejano que bati o meu record de horas seguidas a trabalhar - 19!
Foi no Monte Alentejano que comecei a odiar o João Onofre.
Foi no Monte Alentejano que bati o meu record de gorjetas por uma refeição: € 249,00
Foi no Monte Alentejano que atendi o Príncipe!

São tantas coisas.
E durante anos odiei os meus Verões e o facto de trabalhar num restaurante.
Mas... Mantenho-me fiel à tradição Norte Americana disponível para ornamentar CVs de actores: a hotelaria/restauração.
E aprendi imenso.
E aprendi que, se o Monte Alentejano fosse em Lisboa, os meus pais eram milionários e nada disto teria tanta graça...!

Tenho muito orgulho num dos melhores restaurantes deste país.
No menos pretencioso de todos, de certeza.

E sim, não é um sítio cheio de manhas publicitárias.
Somos o que somos, com toda a honestidade.
E isso vale muito mais do que qualquer outra coisa.
Mesmo afastada das lides, sou do clube Monte Alentejano!


Eu, a minha Mãe e um rancho de Mexicanos à porta do Monte Alentejano, em 2004.

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