Uma vez estava com a minha Mãe dentro de uma tenda.
Era noite, mas havia luz.
E havia uma víbora.
Estava cheia de medo da víbora.
Mas a minha Mãe não.
E agarrou-a.
E começou a falar com ela, até que lhe enfiou a mão toda dentro da boca.
Sem medo, enterrou o braço na víbora até ao fim, como se estivesse a virar uma peúga do avesso.
Virou a víbora do avesso e disse:
- Joana, aponta aí o número de série.
A Maria Alice proferiu, recentemente, uma das melhores frases que alguma vez tive oportunidade de ouvir.
E se ainda há quem a acha patética, não sou, certamente, uma dessas pessoas.
Não consigo citar de forma exacta, mas será qualquer coisa como: "Não sei como é que se pode sonhar a olhar para a montra da Zara."
(E atenção, que não estou a snobar a Zara. Calma.)
Vejo muitos blogues por dia e sei quais são as coisas que gostaria que povoassem o meu closet (por enquanto, e até virem os dias infelizes, tenho um closet).
A maioria dos blogues que vejo jogam e competem numa liga que ninguém em Portugal poderia competir.
Quer por motivos de ordem sociológica, quer pelos conteúdos.
Mas sim, é outra liga e ponto.
E como acho way shameful fazer aquele género de fotos em que se concretiza um outfit low cost, tenho tratado de me abster.
Os produtos em questão só têm bom aspecto quando fotografados por gente que o sabe fazer e photoshopados a seguir.
É o mesmo com todas as máscaras de pestanas que prometem uma extensão intergaláctica.
Cada um tem os seus tesouros, eu tenho os meus.
Os meus, por razões de ordem de sucessão, pertencem ao universo do antigo.
Porque, como todos os mortais, tenho muitas coisas baratas e comuns.
Só que o comum não é genial, e por isso... ya...
Existe uma dose de astúcia nisto de gostar do antigo: raramente há igual.
Voltando ao assunto inicial, lamento, mas não dá.
A mim não me dá.
Há coisas acerca das quais não se alardeia.
É uma daquelas regras que vêm no pacote básico.
E não se alardeia, porque não é interessante.
Porque no meu mundo ideal não se deveria sonhar a ver coisas da Zara...
Se a Zara comanda o sonho, então, Leitoras e Leitoras (que Socrática), desisto do ideal.
Porque... Os meus sonhos estão ainda noutro sítio.
Sonhar com um objecto deve implicar sempre um valor de mais de quinhentos euros, pelo menos.
E deve implicar uma noção qualquer de exclusividade e não um tratamento massificado e impessoal.
Deve ser evocativo e efabulatório.
Deve estar provido de uma dose insana de encantamento.
E deve envolver sempre materiais nobres.
A ver...
Vou pôr-me a sonhar com um vestido de poliéster, um cachecol de terylene, uma camisola polar, uma mala de napa, uns sapatos de plástico...?!
Não...
A Zara serve para muitas coisas e é óptima e genial e cada vez mais se assume como case study de variadíssimas áreas do conhecimento, mas não é a entidade que vai realizar os meus sonhos ou os sonhos de qualquer pessoa que goste de Moda.
Porque o conceito da Zara é precisamente a antítese do gosto pela Moda.
Porque ao gosto pela moda tem de vir sempre agarrado o gosto pelo requinte, pelo exclusivo, pelo belo...
Adoro o mix match, mas só tolero o total look sob as formas preto ou ganga.
A Zara não me faz sonhar (e quem diz a Zara diz qualquer outra loja do mesmo género, incluindo os Chineses), porque, potencialmente, terei sempre poder aquisitivo sobre o seu produto.
E o que me retrai, enquanto consumidora, de, na maioria das vezes, realizar uma compra é que toda a gente pode ter igual.
E isso desmistifica tudo e suga qualquer tipo de aspiração a possuir.
Depois a única coisa terrível que me acontece é olhar em redor e ver que toda a gente usa as mesmas coisas, independentemente da forma como lhe assentam, da qualidade...
Lamento muito, mas não quero andar de igual a todo o mundo.
E enquanto o puder evitar, fá-lo-ei.
Prefiro ficar a olhar.
Letra 50 Cent AQUI