À NOITE, SÓ À NOITE.

Ele – ... Isto é uma cena ecuménica, percebes? – O que é que queres beber?
Ela –Piñacolada.
Ele – A senhora é que manda! Ouviu? Sai uma Piñacolada! E para mim... pode ser uma imperial. – Ora bem, percebeste?
Ela (a mandar sms) – O quê?
Ele – Aquilo que eu te estava a dizer há bocado... De como sair à noite deveria ser uma cena ecuménica em todos os sentidos... uma comunhão total de experiências sensoriais em que todos somos um... Percebes?...
Segurança (interrompe) – Não pode estar a fumar aqui.
Ele – Ah, desculpe, desculpe... Estava aqui a conversar... Entretido, entusiasmado... e
(pensa mas não diz) entumescido... (regressa à conversa) Desculpa, ia onde?! Ah... Sim... Estes seguranças... não conseguem ver quando uma pessoa está a falar... e... Bom, o que queria mesmo dizer é que: não preciso saber o que é que nos traz para aqui, na medida em que a única certeza é a de que existe uma força superior que nos congrega neste espaço, que nos atrai para um vórtex e nos faz desfrutar desta magia nocturna. O Universo é mais generoso do que qualquer Deus... É O Aglutinador Supremo! É O Mestre Aglutinador.
Ela (interrompe) – Tens de pagar.
Ele – Ah, sim... Claro! Bom, mas eu estava a dizer... Não queres ir até à varanda?... Está uma noite tão linda... Maio, esta lua... aqui mesmo ao pé do rio... De prata... Sabes porque é que lhe chamavam rio de prata?... – A sério, o que é que se passa aí no teu telemóvel?!
Ela – Estou à espera de umas amigas... Mas acho que não as deixam entrar...
Ele – Eish... Já pensaste que talvez as tuas amigas não tenham sido escolhidas pel’O Mestre Aglutinador para comungar desta experiência? (silêncio) Deixa isso, a sério. Ouve isto, porque é importante. Isto nunca se vai repetir, este momento, sabes?! Porque nós fomos apenas duas das marionetas escolhidas pel’O Mestre...
Ela (a gritar ao telemóvel, com o indicador direito a tapar um ouvido e o telemóvel e a bebida na mão esquerda; desequilíbrio sexy) – Caetana! ...A sério!? ...Ligue ao Tio! ...Fale com o Alfredo!... Não dá?!... A sério?!... Mas... Caetana!?!?!?!... Não, não vou aí abaixo, que o Ribeiro vai dizer logo que não pode ajudar e aquela magrinha é uma trombuda... Ai, que seca...! Vá, sim, Caetana, ‘tou cá em cima! Na varanda! (desliga e sorve o fim da bebida com a palhinha)
Ele – Tu não achas que isto tem um significado qualquer?!...
Ela – Sim, pode ser... Sim, é verdade... Deve ser isso... Ah. (surpresa falsa) A bebida acabou. (faz beicinho) Não me vais buscar mais uma?! (enrola uma madeixa de cabelo com o indicador e o dedo médio; joelho vagamente para dentro, flectido) Sim, sim... Não saio daqui, sim...! (assim que ele vira costas) Whatever...! (desaparece)
(Ele volta, minutos depois)

Ele – ...bem, ali no bar... uma confusão!... Ahahahhaa! E estava ali a pensar na nossa conversa e em como temos de viver o presente – carpe diem... cenas mesmo verdadeiras, essas – e apercebi-me que só sei o nome da tua amiga que está lá fora, que é a Caetana, mas... e o teu?!
Um Gajo – Ela bazou, puto.
Ele (possuído de grande terror) – Foda-se... (fala sozinho) Não percebeu nada... É que... era muito importante que nos aglutinássemos... hoje... (para Um Gajo) – Obrigado, amigo. (volta) Ela bazou... sim, sim... é isso... (fica à espera com uma bebida em cada mão, debaixo da lua de Maio)

in Flyer de Maio de 2011 do Lux.
Joana Barrios