Le Bon Marché

Amo dois tipos de comércio, com os quais cresci (e aqui sim, sabemos que ainda sou adolescente...): o comércio tradicional e o comércio on-line.

Vinda de sítios pequenos e tendo crescido num sítio onde a rua mais comercial tem cerca de três lojas praticáveis, é óbvio que adoro o comércio tradicional, ao qual comecei a chamar, por volta dos 15 anos, carinhosamente, bon marché. (Admito que no início desta nomenclatura fosse possível escrever o bon com m no final, mas não me lembro...)
Entra no âmbito do bon marché toda e qualquer loja onde me deixem ir para trás do balcão e aos armazéns.

Em Montemor, a Artidina, da queridíssima São, é a loja mais favorita das minhas favoritezas.
À partida, é tudo um erro, porque é a típica loja onde as velhas compram tudo.
É o local de peregrinação das senhoras que ficaram viúvas e que precisam de compor um guarda-roupa preto em menos de um fanico, é onde as senhoras que fazem reduções de peito ali no São João de Deus (de um 56 para um 44) vão comprar os soutiens pequenos, é onde todas as mulheres compram as camisas Triple Marfel para os maridos, onde todas as senhoras levam para casa para experimentar e onde existe, entre tantas outras coisas, um caderno para apontar as contas...
É onde todo o imaginário comercial bafiento passa a realidade.
Em Montemor existe também o Mesquita, mas aí a coisa é diferente, e os balcões impedem demasiado a passagem...

No bon marché é possível comprar tudo e mais alguma coisa, é possível perder-me no armazém durante horas, a revisitar décadas e décadas de stocks que nunca sequer foram mexidos.
É o meu local de eleição.
Foi onde aprendi a abrir umas cuecas com a lojista para testar os tamanhos e a sua fiabilidade, foi onde aprendi a comprar chitas, foi onde aprendi a distinguir o bom do mau tafetá, foi onde aprendi a saber que as malhar Tiffany são as preferidas das senhoras, porque não picam...

Se pensar bem, quando saí de Montemor e ainda morava entre cá e lá, ia com frequência ao armazém da São e comprava apenas os básicos na American Apparel.
Quando fui morar para Barcelona, não demorei mais do que três meses a encontrar a loja onde viria a comprar quase tudo - a mítica Holala! - e quando regressei a Lisboa, procurei sítios secretos, com dead stocks muito mais frágeis e voláteis do que quaisquer outros noutro sítio qualquer.
Costumam ser sítios secretos, que escondo de toda a gente e que utilizo como recursos ultrasónicos quando há um guarda-roupa para fazer, um espectáculo ou quando me apetece, pura e simplesmente, impressionar alguém com o impossível.
Tenho sempre um homem dos óculos de sol e outro dos sapatos.
Sempre.

Há dias pedi um par de óculos impossível de achar sabe-se lá porquê para experimentar.
Experimentei e adorei e disse que queria, ao que o senhor me respondeu que seriam apenas possíveis para o final de Setembro.
Deu-me vontade de comprar os ditos cujos pela internet, mas aguentei-me e disse que esperava.
Pensei que tinha óculos suficientes para mais do que um Verão e que não me faria mal nenhum esperar...
Em menos de uma semana, recebi um telefonema.

- Já cá tenho os óculos, quando quiser vir buscar, é só passar, porque está tudo arranjado à sua espera.

A espera, os meses de espera, ajudam a várias coisas, entre elas à ferroada...
Mas pronto, fui buscá-los.
O bom do bon marché é a atenção recebida pelas pessoas que o operam.
A atenção é o sorriso, a boa disposição, as conversas de circunstância, as eventuais conversas mais sérias, as conversas profissionais e o desconto.
Tudo arranjado significa que quando eu for à loja buscar o artigo encomendado, ele está à minha espera, dentro de um saco com um apontamento cheio de instruções importantes e com a atenção especial inerente à escolha daquele sítio.

Falo-vos do homem que conheço em Lisboa que mais saberá de óculos.
Esse homem está num sítio lindo desta cidade e é um amor de pessoa.
Mas... pertence ao meu espólio de locais secretos.

Amanhã tentarei fotografar o artigo em questão.