ELEFANTE

O início de um Novo Ano é sempre um momento cronológico de grandes gestos vazios e alterações no modus vivendi dos atormentados pela culpa católica apostólica romana - esse fardo pesado.
É também uma época de falsas modéstias.
E de grandes preocupações com a linha, os quilos, os doces e as gorduras.

Enfim...
O Ano Novo é uma época tenebrosa.

E quando vejo ou ouço os preparativos para a celebração da efeméride, fico doente e só desejo que passe tudo e rápido.
Até este ano, deixei que tudo me influenciasse.
Mas, de 2011 para 2012, decidi que iria fazer o que me saísse da real gana.
(Nem eu própria escapei à tomada de uma decisão qualquer por causa destas datas...)

Por isso não escrevi nada nos últimos tempos.
Re-Temperança.
Sem stress.
Sem aquele stress de, à meia noite de dia 31 de Dezembro de (ano a designar) ter umas cuecas novas de cor azul vestidas, uma dúzia de passas na mão, uma flute de champagne e uma nota também algures na outra mão - tudo isto em cima de uma cadeira - e de, atentíssima ao relógio, comer simultaneamente a primeira passa e assim pedir o primeiro desejo enquanto salto à primeira das doze badaladas (em cada uma das quais terei de comer outra passa e pedir mais um desejo) para entrar no Ano Novo com o pé direito.
Passar o ano, assim, é mais enervante que estrear um espectáculo.

E também não me dei ao trabalho de não comer merdas no Natal.
Vou explicar: a minha Avó tem 85 anos e faz nógado de propósito para mim, porque além de amar nógado, não tem ovos e Ela sabe que eu posso comer.
Alguém tem a mais pequena noção do trabalho que dá fazer nógado?!
O mínimo que posso fazer é comer o nógado que a minha Avó faz, com tanto amor e carinho, todos os Natais, e ganhar o quilo que ela quer que eu ganhe, porque acha que estou muito magrinha.
É o mínimo.

E a minha resolução de Ano Novo foi continuar a fazer este blogue com a mesmíssima qualidade que lhe atribuo.
Tudo isto é pessoal e transmissível, uma vez que, num esquema de comunicação básico, eu sou a emissora e vocês os receptores de uma mensagem altamente falível, tendenciosa, hedonista... YOU NAME IT.

Desde que não escrevo, ou seja, desde Novembro, que tenho estado muito atarefada a reparar em tantas coisas que me escapam ou que me chamam à atenção...
E são muitos os fenómenos que têm merecido a minha atenção.

O primeiríssimo de todos esses fenómenos que vaticinam, em si, o apocalipse, é a bota LITA de um tal Jeffrey Campbell.

Amigas, Amigos,

TODOS já vimos uma bota LITA.
GARANTO.
(Se não viram, vejam aqui para podermos continuar.)

É com grande pesar que vos falo desta bota que tanto pesadelo me tem dado.
Entre a Beta e a Fashion Blogger, deixou de existir uma barreira.
Não há mais separação.
Nem sequer no cabelo ou unhas.
Talvez agora contem as feições para distinguir uma da outra com algum sucesso.

O Jeffrey Campbell é um gajo famoso por copiar sapatos, nomeadamente por copiar uma marca que me é muito querida.
E irrita-me desde então.
Na altura do grande copianço, houve vários blogues a denunciá-lo, mas nem assim ele se dignou a parar.
Vergonha Alheia.
E Vergonha Alheia é o que me dá sempre que vejo o seu botão mais famoso entre as Betas e as Fashion Bloggers cá do burgo.
A bota LITA.

Ora bem, a bota LITA faz-me lembrar os sapatos dos coxos e das pessoas que têm uma perna mais curta que a outra...
Bem sei que os sapatos ortopédicos serviram de grande inspiração a todos os fazedores de sapatos, mas uma coisa é aquele oxford a atirar para o feio que excita o rapaz de inspiração nerd que ouve bandas fiches mas anda no Técnico.
Outra coisa é um sapato de deficiente.
São duas coisas diferentes.
Porque o fetiche do nerd comum, é, ainda assim, saudável.

Debruçando-me bem sobre esta bota LITA, teço várias considerações, sendo a primeira uma consideração do domínio do perigosas que são essas botas compensadas de salto altíssimo, quando aplicadas à caminhada normal em calçada portuguesa.
Entendo que possam ser O sonho de uma jovem de 1,60m numa festa da espuma em Corroios, mas o que não entendo, porém, é o transporte de semelhante objecto para a vida real.
Não entendo.

Regra geral, os sapatos dos mostruários são o número 36.
Por algum motivo será, não?
Em 36 TODOS os sapatos são bonitos.
Lindos, até.
Fica tudo com a sensação do pé de Princesa no Castelo Encantado da Barbie.
Mas, por exemplo, quando peço o meu número (38), fico quase sempre com a sensação de que o sapato me vai oferecer uma corrida de táxi para o próximo Lugar às Novas: de origem, já tenho 1,77m, pelo que penso que um determindado salto alto, mal estruturado, muito compensado com uma enorme distância entre o salto e a plataforma, ou entre o salto e a zona de apoio dos dedos, vai dar cabo do meu ar de Princesa no Castelo Encantado da Barbie para me pôr no Deserto com a Priscilla.
E tenho medo.
Sem homem ao lado para despistar, então... XAU!
Por isto não entendo a veiculação e consequente estimulação do pé que a bota LITA proporciona.
Não vi ainda uma única alma com um pé bonito ou elegante proporcionado pelo par desses objectos.
Nem uma.
E o que não me falta ultimamente são visões do Inferno em que Satanás já deixou de se chamar assim para responder por LITA.

A bota LITA tem ainda uma outra característica do Demónio: o salto.
Quem se lembrou de fazer um salto com ar de pé de cama de venda separada a €9,99 para elevar a que tem arrumação por baixo do IKEA, está de parabéns.
Não.
Porque é, de facto, como dizer?! erm... ELEF(G)ANTE, um salto assim.
Também me faz lembrar uma estaca para cravar em corações de vampiros, caso se dê, finalmente em 2012, o tão esperado ataque dos mortos-vivos e zombies para o qual estamos melhor ou pior preparados segundo os quizzes do Facebook; no entanto, como não é demasiado afiado, esse tronco-salto, e a moda dos colares com mini canivetes (verdadeiros) só pegou entre os emo-punks de San Diego, CA, circa 2003, acho que o salto só é mesmo hediondo.
(Desculpem a volta que dei ao bilhar grande com referências, mas precisava de não odiar sem fundamento. CHECK!)

Posto o salto de parte, falemos então da utilização desta bota LITA.
Ora bem, a bota LITA é o sonho de todas as raparigas com fashion sense de agora.
Como todas as raparigas com fashion sense estão profundamente preocupadas com o AGORA e adquirem Primark e Bershka, Pimkie e Pull and Bear e H&M e às vezes ZARA, a bota LITA é um objecto de desejo extravagante, porque custa mais que dez euros.
Aliás, a bota LITA, mandada vir da internet, custa cerca de €150,00.
Para as Rainhas do PVC, isto É considerado um investimento.
E como todos os investimentos, TEM de render.
Por isso a bota LITA está no caminho do desbravamento de mato no que diz respeito à sua utilização.
Só ainda não vi uma LITA com fato de treino.
De resto, a LITA adapta-se a tudo.
É como a 2.55 da Chanel: é tão cara que dá com tudo, sim ou sim.
Por isso uma LITA com um calção de napa e um collant de vidro é OK, uma LITA com um vestido de rendinhas é OK, uma LITA numa perna grossa com um skinny jean é OK, uma LITA com um blazer é OK, uma LITA com leggings é OK, uma LITA com saia fluída é OK, uma LITA com... YOU NAME IT.
O que interessa é que seja uma LITA.
Porque de resto é SEMPRE OK.

A LITA veio para ficar no Inverno como a sandália FLY ficou no Verão.
Valores garantidos em tempo de crise.
São reflexos culturais essenciais em termos sociológicos.
Solid Ground precisa-se.
E com SOLAS dessas, tem-se.
Começar o 2012 com uma LITA no pé significa prenda de Natal.
Significa BOOM!
Significa milagre da multiplicação dos peixes em forma de Holocausto para os olhos.

O pior da LITA é o seu poder unificador.
Numa altura em que deixou de haver uma simples matiz entre géneros, dada a massificação dos mercados e a globalização unificante dos géneros, gostava de saber o que é que a Beta (tipo) e a Fashion Blogger (tipo) têm em comum para amar a bota LITA da mesma maneira, já que tanto se odeiam entre si (tirando a Beta que se tornou Fashion Blogger, que também é todo um género).
Gostava.
Porque, sei lá, tinha graça descobrir...

Não sei qual é o conforto ou a sensação de se ter uma LITA no pé.
Com sorte, NUNCA vou saber.
Sei qual é a sensação que tenho quando calço um sapato vertiginoso, porque já experimentei.
É: tenho medo de cair e de me rebentar toda.
A Ana Campos (Vogue) tratou de me fazer calçar o sapato mais alto que alguma vez calcei, numa produção no ano passado.
Era um pump de verniz Giuseppe Zanotti.
Em casa, às vezes, brinco com a minha super sandália altíssima Michael Kors.
Mas a sensação é sempre a de que sou um Travesti Aflito (com vertigens).
Ou a de uma rapariga impossível de beijar.
(Ou vejo-me a trambolhar escada abaixo com o braço fora do sítio...)

É claro que um sapato alto posiciona a bacia de uma outra forma e confere à silhueta feminina um aspecto apetecível e umas pernas de bradar aos céus.
Mas grande parte desse trabalho é proporcionado pela ilusão óptica que o sapato pode ou não causar, especialmente na zona do tornozelo.
Qualquer ser dotado do sentido da visão, pode explicar que o combo pé feminino + tornozelo, são a coisa mais sexy do mundo mundial.
Se o pé estiver preso num sapato de coxa, que ata com uns cordões (muito distantes entre si, os quais criam a ideia de que o pé que está dentro dessa LITA é gordo ou está cheio de peúgas) por cima do tornozelo, criando assim uma perna encurtada e mínima, já foi tudo...
Nao sobrou o pé bonito, o tornozelo bonito e a perna alongada.
Ficou apenas o erro crasso.
Ficou apenas o metro e oitenta que não se tem, pelo que mais valia ter saído à rua de coturnos, que são bem mais baratos e curiosos, na sua forma.

A MODA é uma coisa que me transcende a vários níveis.
E às vezes há assim fenómenos desta ordem e fico pasmada.
Porque não consigo encontrar nem a beleza nem a ironia da coisa.
Por isso fico baralhada.
E fico ainda mais baralhada quando a MODA é um par de sapatos hediondo, não muito barato e deselegante.
Não consigo entender, de todo.
E depois arrelio-me.