CARTA ESCANCARADA A IVO MENDES ou Joana Barrios FEAT. PEDAL

Saí de bike em Lisboa, pela primeira vez, no dia 26 de Dezembro de 2011.
A grande diferença entre a bicicleta e qualquer outro meio de transporte considerado alternativo (nesta categoria só são aceitáveis skates - nada de longboards, patins em linha ou qualquer coisa do género, porque isso é altamente proibido...) é a locomoção.
E a emoção.
Ora bem, de bicicleta pode ir-se a quase todo o lado, as pessoas acham bonito e ecológico e alternativo-aceitável porque já viram em blogues de moda internacionais pessoas em bicicletas e, em última instancia, fashion.
Vivi cerca de quatro anos na cidade dos friques, Barcelona, e fui muito feliz com o meu skatinho e com a minha Peugeot dobrável de 197-.
Comprei essa bicicleta a um rapaz do médio Oriente, cuja ocupação de tempos livres era roubar bicicletas na Rambla do Raval para depois vender a preços imbatíveis com o intuito de facturar notas rapidamente para comprar ganza.
O maior luxo era poder escolher o que é que se queria, que ele orientava.
Sempre.
Conheci-o quando trabalhava na Riera Baixa.
Às vezes dava-lhe bolos ou cerveja e pedi-lhe uma Peugeot dobrável.
Nem meia hora demorou a arranjar-ma.
Pintei-a e arranjei-a o suficiente para não se notar que era produto roubado e pedi-lhe que apagasse as marcas todas que a identificavam no seu mercado e dos colegas.
Paguei-lhe um bocado mais para garantir a permanência da bicicleta.
Todos os dias a carregava para casa.
Quando eram coisas rápidas, pedia a uma puta cubana da esquina da minha rua com o Carrer d'en Robadors que me deitasse ali um olhinho. Também lhe dava comida. E ela tratava de me guardar a bina.
Andei nela mais de três anos, sempre sem travões.
Fui muito feliz.
E era dourada.
Quando voltei para Lisboa deixei que ele a roubasse outra vez.
Completar ciclos.
Cena muito mística.

Tenho saudades de Barcelona (embora seja muito beta e comichosa) e de tudo o que era possível viver num só dia, se fosse de bicicleta.
Lisboa é uma cidade muito formal e tem sete colinas para galgar.
Não é fácil.
Além de que, quando voltei, não era possível comprar nenhuma bicicleta decente sem ser uma de montanha do Decathlon.
E isso, XAU.
Sou uma esteta e não tiro férias.

De prenda de anos, decidi oferecer-me uma bicicleta dourada.
Um cavalo alado para poder andar de um lado para o outro no eixo Cascais - Expo.
Tudo em lisos.
Ok, admito que não é muito fácil andar de bicicleta em Lisboa: entre pessoas espantadas a olhar, o carril do eléctrico e todos os condutores de veículos motorizados, mais as colinas e a falta de sítios para deixar o velocípede amarrado, não é nada fácil.
É, no entanto, genial.
O primeiro dia em que andei de bike foi tremendo.
Da Lapa a Oeiras pelo misto ciclovia/estrada.
U-A-U.

É mais perigoso andar na ciclovia que na estrada.
As ciclovias portuguesas estão cheias de Mulheres anafadas a andar em passo estugado munidas de esperanças muito próprias acerca do verão e dos cremes anti-celuliticos, de Homens que possuem TODO o equipamento necessário para a volta a Portugal, jovens Pais do sexo masculino de longboards a ensinar filhos cheios de material anti-choque a
andar de "skate", embora os pobres não se consigam mexer debaixo de tanta foamy protection e prefiram imitar um Transformer, etc...
Rapidamente abandonei a ciclovia para ir pela estrada.
Nunca ando vestida de pessoa desportiva.
Desprezo toda a espécie de roupa de desporto, especialmente aquele género casual.
Para mim não existe casual.
E percebi que em Portugal é muito difícil levar qualquer coisa avante sem escapar ao severo escrutínio de umas valentes hordas de gente horrenda e mal informada.
Mesmo no que ao andar de bicicleta sem ter o intuito de perder peso ou ensinar as gerações vindouras diz respeito.

A actividade solitária, o one on one, é, para muitos, um mistério.
O que me leva a andar de bicicleta é, acima de tudo, o vento na cara.
O mesmo para o andar de skate.
E para isso não é necessário equipar-me com lycras...
O vento na cara é a melhor coisa do mundo.
Com óculos de sol e headphones.
É a melhor forma de me fazer transportar na cidade, especialmente se for numa cidade como Lisboa, cheia de rio e de sol e de tempos livres.
Compreendo que se pense que é uma moda e que se ache que nos vamos fartar, etc, mas refuto com imagens simples: a Catherine Baba de bicicleta pelas ruas de Paris vestida de YSL a caminho do Jardin des Tulleries ou as pernas do interior de um booklet de um cd de Silverchair (tanta coisa errada neste troço de frase, Cristo!...), que pertenciam a alguém que, segundo reza a lenda, as tinha assim por andar de bicicleta.


Isto saíu no Jornal Pedal, que é o mais recente projecto de uns meninos maravilhosos e muito criativos, empreendedores e altamente fantásticos.
Gente GENIAL.
Convidaram-me para colaborar com eles e aceitei (na condição de poder escrever o que me saísse da real gana).

Ora bem, tenho a dizer-vos que as pessoas dessa comunidade das bikes ficou fodida comigo.
Nomeadamente um tal de Ivo Mendes.
Adorava que esse Ivo Mendes viesse aqui ver o que cá se escreve.
Talvez lhe passassem os fricotes...
Considero que escrevi um texto muito positivo e saudável, muito maravilhoso no seu todo, sobre experiências, antes de pensar noutra coisa qualquer.
E fui LOGO crucificada.
Consesso que gosto desse processo a que chamarei VIA SACRA GONE SOFT.
Porque gosto.
Entre os comentários aos meus artigos no P3 e a wall do Pedal, fiquei com imeeeeeensa vontade de continuar!


CARTA ESCANCARADA A IVO MENDES ou Joana Barrios FEAT. PEDAL

Crido IVO MENDES

Em vez de ver o Trainspotting, leia antes os livros do Irvine Welsh: são capazes de lhe aguçar mais a imaginação.
Sabe que mais?
Recomendo-lhe mesmo a leitura de muito livro - muito - porque sem livros, não poderá nunca apreciar o que escrevo e vou continuar a escrever para o Jornal Pedal.
Nem o que ninguém escreve.

Posso até dizer-lhe que não tinha nada contra ninguém e que achava que estava a escrever de forma decente, uma crónica para um Jornal.
Enganei-me.
E o ódio que expressou na página de Facebook do Pedal, foi qualquer coisa.
Nem sequer sabe escrever, Crido...
Que lamentável!...

Através do que o incomodou, consigo entender que nunca viveu.

E chegamos ao meu primeiro ponto de vista:
Viver é um acto activo, não passivo.
Entre viver e estar vivo, há uma grande diferença.
Fim.

Expresso opiniões.
É o meu trabalho.
O que faço, na vida, é opinar.
E o que penso relativamente a pessoas encapotadas como o Ivo é BARDAMERDA.
Os anos do liceu prepararam-me o caminho.

Reservo-me, no entanto, o direito de resposta.
Demorou imenso tempo, porque tive muito que fazer, tive de filtrar o que iria realmente dizer-lhe e, finalmente, objectivar.

Dá-me pena que não entenda que há cidades no mundo em que uma bicicleta é um meio de transporte essencial para poder ir trabalhar, estudar, viver, no fundo.
Nessas cidades, há, pelo menos, dois lados da barricada: os que têm essa bicicleta e que andam nela e precisam mesmo de se locomover, e os que têm uma bicicleta que é uma montra, na qual gastaram imenso dinheiro.
Entre qualquer uma dessas bicicletas existem objectivos.
O meu, em Barcelona, como em Lisboa, era deslocar-me e capitalizar recursos.
Não preciso de um cock magnet.
Muito menos preciso de me tornar numa parvalhona fundamentalista.

(Havendo internet, bibliotecas e viagens low cost, não entendo falhas culturais deste calibre.)

Qualquer tipo de fundamentalismo só o vai encerrar num nicho.
Não consegue entender que o estreitamento do seu campo de visão é pior do que um filme de terror de série Z?
Há um espectáculo que faço, chamado Queres Que Te Faça Um Desenho?! em que digo: "(...) Sou um analfabeto diante do meu horizonte de sentido. - Porquê?! - Porque sou eu que determino o meu horizonte de sentido. (...)".*
Sabia que o público alvo deste espectáculo são crianças?
E sabia que as crianças entendem isto?

Gostava que entendesse algo muito simples, Ivo: dá-me imensa pena aquilo que escreveu no Facebook, porque isso revela a sua falta de cultura geral, a sua falta de mundo.

Bem sei que agora, depois de ler isto, vai ficar enfurecido e vai voltar a crucificar-me, mas desta vez não terá mais nenhum tipo de resposta.
Sou autocrata no que respeita a algumas coisas.
E quando escrevo, assumo uma posição.
E creio que já clarifiquei aquilo que penso relativamente ao que escreveu.
Sei que me considera emproada e deu a entender que não tinha tempo a perder com isto.
Pois devia perder tempo, sabe porquê?
Porque me parece que, se O anda a utilizar (o seu tempo, neste caso) anda a fazê-lo muito mal.

Não é mau ter opinião.
É mau não saber argumentar e confrontar, assim, opiniões, por forma a criar uma discussão saudável e válida, da qual saiam conclusões
Caso contrário, qualquer conversa adquire o estatuto de autista e parece apenas o decalque de um diálogo dos anos do PREC.

Nunca olhei para o vizinho do lado, para saber se estava a fazer bem ou mal.
NUNCA.
Sempre fiz de acordo com o que pensava pela minha própria cabeça.
Nunca fui de nada e sempre fui de tudo.
E sabe porquê?
Porque só assim é que se aprende.

E se é porque já atingiu os trinta e acha que essa fase já passou e que dentro de quatro anos abandonarei o ringue, está enganado.
Pensar, estabelecer raciocínios, aprender, é do melhor que há.
Dá-me tesão.

Não seja ignorante.
Fica-lhe mal.
Já que pertence, declaradamente, a uma comunidade, aceite que, no seio da mesma, existam opiniões divergentes.
Ou também é dos que se ofendem se o melhor amigo começar a gostar de outras coisas?

Aja na comunidade e deixe actuar os neurotransmissores libertados a cada pedalada que dá.
Vai ver que se sentirá muito melhor.

Entre a veracidade dos factos, os recursos estilísticos, a minha necessidade de demonstrar inteligência na redacção da prosa e o resultado final, há muitas coisas.
Leia nas entrelinhas.
Sinta-se impelido a construir.

Tente, no entanto, destruir-me mais vezes.
Faça mais posts a reunir grupos de activistas passivos no Facebook.
Vai ver que vou apreciar.

Passe um Bom Dia.

*in "Queres Que Te Faça Um Desenho?!" de José Maria Vieria Mendes e Pedro Penim, do Teatro Praga.